Foto: "O menino do Humaitá " - Por Maria Anita Barreto
"Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco .
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra, teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa que venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
E ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
Provam apenas que a vida prossegue
E nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
Preferiram (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação."
Carlos Drummond de Andrade
Às vezes eu acredito que a forma, a representação espacial, dimensional de um pensamento, é umas das maneiras mais eficientes de se abstrair o que é impossível de materializar. Pode parecer contraditório, mas poetas como Drummond sabem desenhar uma poesia. Contornos suaves e firmes, quase absolutos, são a marca da sabedoria do abstrato...Muito boa poesia!
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